quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Carta à barba

Toda semana é a mesma coisa: você chega como quem não quer nada, vai conquistando o seu espaço, e quando eu menos espero, estou aqui outra vez, diante do espelho, ensaboando o rosto. Quer saber de uma coisa: estou cansado de você, barba; estou cansado do trabalho que você me dá e da rapidez com que você aparece. Acha que estou o tempo todo à sua disposição? Acha que não tenho outra coisa pra fazer? Pois saiba que está muito, mas muito enganada!

Todo homem que se preze, e que conte com a sua presença há muito tempo e em grande quantidade, já deve ter tido essa conversa contigo pelo menos uma vez. Agora, acredito que tenha chegado a minha vez de falar e a sua de ouvir poucas e boas. Então sente-se e fique à vontade, porque a conversa vai ser longa...

Quando era criança, no auge dos meus 10 ou 11 anos de idade, me olhava no espelho e me imaginava com o rosto tomado por ti. Com isso, achava-me mais “homenzinho”. Afinal de contas, a sua presença era sinônima de masculinidade e virilidade. A todo homem que quisesse ser importante, bastava ter um bigode avantajado que conseguia se tornar “alguém na vida”.

Aos 14 anos comecei a aparar você. Junto com meu pai, ensaboei o rosto e passei a lâmina de barbear pela primeira vez. Aquilo foi o máximo. Era o sinal mais claro de que eu estava crescendo e virando homem de vez; não era mais uma simples criança, que ainda carregava consigo o cheiro da fralda (embora ainda ouvisse alguém me dizer isso de vez em quando). Uma vez por semana eu repetia a operação com a maior satisfação. Até então tudo era novidade, não é mesmo?

Com o passar do tempo, a freqüência só fez aumentar. Ao invés de uma vez por semana, já ia pra frente do espelho, onde estou agora, pelo menos duas.

Hoje, com 21 anos, fazer a barba já se tornou uma obrigação quase diária. A cada dois dias sou obrigado a perder parte do meu tempo arrancando você do meu rosto. Isso sem falar nos cortes que a lâmina me causa. Depois de fazer a barba, sempre tenho que pegar um pedaço de papel higiênico para limpar o sangue advindo dos cortes. E como eles doem na hora de lavar o rosto!

Agora você se esbalda de tanto rir, não é barba inútil? Mas saiba que isso não tem a menor graça. Nunca ouvi falar de alguém que depois de provocar um ferimento em outra pessoa quase morra de rir.

Você pode até me sugerir que eu simplesmente pare de me barbear e deixe você tomar conta da minha face. Pelo menos seria o melhor conselho para alguém que se incomode tanto assim com uma simples atividade. No entanto, acredito que não exista nada mais desagradável para uma mulher do que dar os famosos três beijinhos de cumprimento em um homem barbudo. Aquilo deve incomodar pra caramba!

E não adianta dizer que a culpa não é sua e que você só queria ajudar a compor o meu visual. Eu não acredito nas suas desculpas esfarrapadas. Isso não passa de conversa pra boi dormir. Se tiver alguém aqui que deva ser responsabilizado por causar todo esse transtorno é você.

Olha aqui, sua barbinha, ouso dizer que seria bem mais feliz se você não existisse. Não perderia tempo aparando você, não me machucaria, não gastaria dinheiro com a loção pós-barba que tenta, em vão, evitar a irritação da pele, tão comum depois do barbear.

Chego à conclusão que sua época já passou. Hoje em dia, com o advento da vida moderna e da praticidade, acredito que você não tenha mais espaço nas nossas vidas. Os seus pêlos já são águas passadas, ou melhor, barbas passadas na vida do homem moderno.

Nenhum comentário: